Outro dia alguém (não consigo lembrar quem foi, desculpe, minha cabeça anda mesmo péssima) trouxe aqui no Substack um conceito que gostaria de adotar também: o de newsblog, aquela carta com cara de post de blog. Nunca vou me recuperar do fato de não ter mais um espaço onde possa despejar notas curtas aleatórias e que alguém possa ler. Odeio a era do vídeo. Odeio. Odeio.
Isso posto, vou dar nome pra esse tipo de texto por aqui: blogletter. De vez em quando ou sempre, não sei, vai aparecer uma edição dessas cheias de notas aleatórias ou textos mais confessionais. Este é o primeiro deles.
(Altamente emocional, escrito num momento de pura dor, ódiotristezaeraiva, vou ficar bem, ou não, sei lá. Não posso controlar como as pessoas vão receber este texto, mas prestes a completar 45 anos já abdiquei de me importar com o pensamento dos outros).
Daqui a uma semana faço aniversário. Nunca fui dessas pessoas que ama fazer aniversário e comemora um mês antes até um mês depois (mas confesso que queria); nem sou dessas que odeia fazer aniversário e fica até deprimida e não quer nem ouvir parabéns de ninguém.
Este ano, no entanto, estou mais pensativa. Acho que no meio termo: queria ser celebrada. Queria ser uma dessas pessoas cuja vida as pessoas celebram, e pensam em agradar, e criam mil e uma coisas pra deixar a pessoa feliz e fazem surpresas e compram presentes pensando exatamente no que vai colocar um sorriso no meu rosto.
Eu nunca ganhei uma festa surpresa. As poucas festas de aniversário que tive ainda na primeira infância fizeram o inferno da minha mãe (na última delas inclusive teve uma briga homérica cujos detalhes jamais me lembrarei) e ela nunca mais celebrou o fato de eu existir. Eram sempre uns abraços constrangidos, tinha uns presentes até, mas sempre divididos com o Natal, que é o que acontece quando você nasce muito perto dessa data.
Aliás isso é uma coisa que dificulta muito alguém lembrar do meu aniversário, ou de eu realmente pensar em fazer uma festa: mesmo que eu tivesse quem convidar, estaria todo mundo metido com o Natal. Meu primeiro crime foi ter nascido muito perto do aniversário desse tal
de Jesus Cristo.
Mas mesmo assim, mesmo em família, não me lembro de alguém me celebrar. Fazer meu bolo predileto. Ou uma surpresa, uma coisa boba, sei lá. Lembro da vez, eu era criança (talvez já tenha contado essa história) que pedi tanto um bolo que meus pais saíram em busca de um, mas era tudo tão caro e eles se odiavam tanto que brigaram. Nunca esqueço da minha mãe me dizendo “se não fosse você pedir esse bolo, nada disso teria acontecido”. Bem.
Depois que tive meu próprio dinheiro tratei de comprar meus bolos, me entupir de brigadeiros. Dar a mim mesma o que eu merecia, mas se tem algo de rebeldia, também tem algo de triste nisso.
Eu não vou comprar bolo nenhum este ano. Não quero. Perdi a vontade de comer brigadeiros.
Antigamente sempre pensava nessa grande festa com o tema que eu escolhesse, mas qual o sentido de sonhar com isso, afinal? Essa festa nunca vai acontecer. Está fadada, como o resto dos meus planos, a viver só na minha imaginação.
É, eu sei, talvez eu esteja muito amarga. Deve ser o cansaço. Pianos inteiros de quase meio século pesando sobre as costas.
De todas formas, não odeio essa celebração. Talvez me dê um pouquinho de tristeza pensar que essa é só mais uma coisa cujo acesso a vida me interditou sem eu nunca entender o motivo. Existem outros 364 dias no ano para continuar perdendo a linha. Vida que segue.
Se eu fosse atualizar a lista de coisas que gostaria de ganhar de aniversário, além dessa lista da Amazon que sei lá porque eu continuo preenchendo, teria itens como:
• “deixa que o jantar hoje é por minha conta”
• “deixa que eu faço”
• “vi isso na rua, achei a sua cara, trouxe pra você”
• “entra no carro, vamos dar uma volta”
• “era desse chocolate que você gostava, né?”
• “dei um tapa na casa, tava precisando”
• “passei no mercado, trouxe o que tava faltando”
• “e se a gente fosse pra praia?”
• “deixa que eu resolvo isso, pode descansar”
Li por aí, não lembro onde mais, que felicidade nem é ter dinheiro, mas não sentir a vontade de fugir do lugar onde se está. De ter a sensação valiosa de que se está exatamente onde desejaria estar.
Eu trocaria todos os itens de todas as listas pela oportunidade de nunca mais sentir que estou no lugar errado, vivendo uma vida que nunca desejei.
Este ano de 2023 foi um dos mais difíceis, e olha que a concorrência tem sido bem grande. Começou difícil como terminou, e está sendo mais difícil ainda de encarar a perspectiva de ser assim mesmo, é isso, vai ser sempre difícil. E a constatação vai pesando nos ombros, junto com a curva do tempo que traz maturidade, um tanto de deixar certas coisas pra lá, outro tanto de ver que a luta é inútil. Dois mil e vinte e três vai levar consigo a pouca alegria, a vontade de ler, de ver qualquer coisa, a excitação pelo lado bom da vida (risos).
É como se o mundo estivesse mesmo dado. É isso aí, não vai mudar mesmo, estamos todos caminhando para esse grande caldeirão de emergência climática e ondas de calor e gente filha da puta se dando bem e falta de dinheiro infinita e escolhas erradas que levam a mais escolhas erradas e estaremos aí assim mesmo, lidando com o peso dessas escolhas que às vezes nem é a gente que faz.
Mas divago. Dane-se a estilística de não começar frases com mas. Talvez eu precise de terapia. De remédios.
Ou talvez meu problema seja só falta de açúcar.
Compartilho dessa mesma depressão e me vi muito na história dos seus aniversários.
E amei o conceito de blogletter!