Passei a primeira semana de férias sem dinheiro, esperando o famigerado quinto dia útil. Decidi não me incomodar com isso e fazer o que deveria ser feito: uma semana deitada olhando pro teto, sem pensar em nada. Tava precisando daquilo.
A segunda semana de férias começou cheia de esperança. Campeonato paulista no domingo. Gritos de alegria. O salário tinha caído. O mês estava ensolarado e promissor. Mas tudo acabou numa poça de sangue.
Minha cachorra (vou contar mais sobre ela em breve) caiu gravemente doente e teve o revertério mais enlouquecedor que eu já vi, do alto dos meus mais de trinta anos cuidando de cachorro. Amanheceu vomitando de sangue e urrando de dor, e pra salvar a vida dela gastei todo o dinheiro das minhas férias mais o que eu tinha arrecadado para uma cirurgia que ela precisa fazer (eu realmente preciso falar dela em outro momento).
Já tem uns meses que venho lutando contra as doenças dessa cachorra e que todo mês um imprevisto surge, com ela ou com os outros dois. Ter mais esse imprevisto me derrubou de maneiras que eu não imaginava. Tudo o que tinha pensado fazer nessas férias - e não estou falando só do dinheiro - foi por água abaixo. Me senti derrotada. Derrubada mesmo, como se alguém tivesse me dado a maior surra do século. Minha pequena se salvou, mas passei o resto daquela semana e a próxima deprimida. Sem reação. A saúde mental de centavos, a energia no vermelho e sem conseguir carregar.
Quando finalmente consegui reagir, faltavam cerca de dez dias pro fim das férias. Levantei na força do ódio. Tomei algumas decisões. E nunca estive tão convicta do que quero, com uma clareza tão cheia de ódio que acho que agora nada me tira do caminho que comecei a trilhar. É sério. Estou escrevendo por todo lado NÃO DESISTA, inclusive preciso de um desses quadros de cortiça, preciso escrever nas paredes, sei lá. EU NÃO POSSO ME DEIXAR DESISTIR. NÃO VOU.
Sei que estou me repetindo, mas agora, de verdade, estou planejando umas coisas aí. Aguardem novidades.
Precisou de cinco faculdades em cerca de cinco anos pra chegar nessa. Precisou de um livro de autoajuda que é uma das disciplinas desse curso pra eu me tocar de umas coisas. Precisou eu parar de dar ouvidos a vozes que dizem que tá tudo ruim e é isso aí mesmo, porque não, o capitalismo.
De fato, o capitalismo. De fato, é tudo difícil. De fato, estamos todos na merda, exceto as pessoas com salários astronômicos e os dois por cento que detém a riqueza do mundo. Não estou iludida não nem achando que vou virar o próximo bill gates. Óbvio que não vou.
Mas e aí, faz o que? Senta em cima do próprio rabo porque não, o capitalismo? Passa o resto da vida fazendo coisas sem sentido porque não, o capitalismo?
Meua migo. A vida, eu só tenho essa. Vou tirar o melhor que ela puder me dar. Ninguém aqui quer ficar rico não (mentira, eu quero, mas não me iludo). Eu quero é PAZ. Cês me entendem? Paz. E eu vou buscar essa paz. Agora é guerra.
Ah, as contradições.
Achei que era só sair de férias que a saúde mental melhorava, eu ia ler muitos livros, ia me divertir bastante.
Como estava errada.
Hoje é primeiro de maio. Talvez vocês estejam cansados de tanto ouvir falar dos trinta anos da morte do Ayrton Senna. Quase fiz uma edição falando só disso, mas a verdade é que, trinta anos depois, esse assunto ainda me comove demais.
Há quem diga que brasileiro não gosta de automobilismo, gostava era do Senna, e digo que isso é meia verdade.
Antes do Ayrton surgir já se assistia F1 em casa. Lembro da minha tia comentando com a minha mãe que o Piquet deveria sair da Brabham. Veja bem. Todo domingo de corrida estávamos na frente da TV.
O que aconteceu foi que essa morte traumatizou uma geração. Eu tinha 15 anos, gostava do Senna como praticamente todo mundo, mas também me interessava por automobilismo. Aquele primeiro de maio destruiu em mim qualquer chance de continuar acompanhando o esporte. Quem comenta esse fim de semana sem ter visto não sabe que não foi uma tragédia qualquer.
Até então eu nunca tinha lidado com a morte de alguém querido. Mesmo sendo uma personalidade, uma pessoa que nunca vi pessoalmente, a morte do Ayrton foi a primeira que me afetou como se fosse alguém da família. O tamanho da dor foi bem equivalente a quando, muitos anos depois, precisei lidar com a morte dos meus pais. Foram meses e meses ruminando aquilo. É pra ser sincera, até hoje não lido bem. Choro quando vejo alguma imagem daquele dia.
A gente não supera o luto. Aprende a viver com ele.
Lembro de acordar cedo. Lembro do mal estar geral no ar. Meu pai trabalhava todos os dias, inclusive aos domingos, mas não lembro se nesse dia ele foi e voltou, trazendo o jornal, ou se forçou uma folga e trouxe o jornal da banca e não do escritório. Meu pai ia religiosamente todo domingo cedo atrás de jornal na banca.
Minha mãe não quis ver a corrida. Eu vi de teimosa. Lá em casa, na verdade, todo mundo já sentia que algo ia acontecer.
Vi atônita o carro passar reto naquela curva. Meu pai passou mal com aquele sangue todo ao vivo, quase desmaiou e foi pro quarto.
A gente era teimoso e achava que ele ia sobreviver, ao mesmo tempo que lá no fundo, sabíamos que ninguém sobrevivia a uma batida daquelas. Nos olhávamos sem acreditar. Um clima de enterro. Meu pai colocou todo mundo no carro e fomos pra feira, mas andávamos como zumbis entre as barracas, meio perdidos. Os adultos comentando entre si. Uma tristeza que acho que não voltei a ver assim na cara de pessoas desconhecidas.
Eu morava na praia. Não lembro se fomos no quiosque. Se compramos peixe. A gente fazia as coisas tentando parecer que tava tudo normal, que tudo ia ficar bem. Lá pela hora do almoço, em casa, o anúncio da morte cerebral. A gente era teimoso e achava que era reversível. Não era.
Não sabia que tinha dentro de mim tantas lágrimas pra chorar. Choramos por dias, e não é exagero.
No dia seguinte, na escola, todos de preto. Jornais nas mãos e de mão em mão. Revistas. A gente se abraçava e chorava. Não teve aula. Ninguém conseguia prestar atenção e ninguém conseguiria dar aula naquele dia. Fomos dispensados pra acompanhar a chegada do corpo. Era uma dor coletiva.
Nunca mais vi nada parecido.
Pensar nos trinta anos dessa tragédia me faz pensar também na passagem do tempo na minha vida.
Com quinze anos, sempre pensava onde e como estaria quando estivesse mais velha. Nada que imaginasse se parecia com o que me tornei.
Trinta anos depois, meus pais se foram. Estou em um lugar que não gosto em todos os sentidos. Fiquei certamente mais amarga e louca, e me importo com cada vez menos coisas. Aquela menina de quinze anos era mesmo incapaz de prever o futuro.
Trinta anos atrás ninguém nem imaginava a internet. A existência de celulares, computadores pessoais, tablets, toda essa tecnologia que devia facilitar a nossa vida e nos aprisiona. O mundo está pior de tantos jeitos. Muita coisa felizmente ficou mais fácil. O mundo sempre foi difícil, mas agora não sei. Está estranho. Certamente pior.
Trinta anos é uma vida. Toda essa sessão de memórias me faz pensar como, afinal, cheguei até aqui. Sobrevivi. Sobrevivemos.
Coisas que vi por aí
O episódio da Rádio Novelo que me fez pensar em mudanças e no lugar que ocupamos no mundo:
A aventura dos Gigantes na Estrada (prepare-se com alguns lencinhos):
Você sabe que chegou num nível de interesse aleatório meio alto quando gosta de assisti r a vídeos sobre parques de diversão:
É isso! Até a próxima carta!
Esse é o tipo de coisa que aconteceria comigo. Quando acho que finalmente terei paz na vida, acontece alguma tragédia e eu entro em depressão. Ainda bem que vc se reergueu. Queria saber mais desse rolê. Bjks