Férias para não fazer nada
Tempo demais pra pensar na vida, tempo de menos pra fazer o que se quer
Estava ansiosa pelos trinta dias de liberdade que o capitalismo ainda me concede porque tenho a sorte de ser funcionária pública (mas a sorte tem um preço alto que ainda não quero pensar, dois meses seguidos de um salário bem mais baixo).
Não existe um grande propósito nem uma grande lição pra tirar dessas férias, melhor dizendo, eu não tirei férias pra isso. De todo modo, os trinta diazinhos minguados estão me trazendo um monte de coisas pra pensar e me mostrando o que andava me recusando a ver: os meus limites.
É certo que não queria fazer nada mas também queria fazer muito. Logo percebi que trinta dias é pouco tempo pra se fazer tudo, pra se fazer o que deveria ser feito num estilo de vida que tem que mudar.
O cansaço da vida e o estresse constante que tenho passado nos últimos três anos pelo menos e que vão muito além da pandemia e do desgoverno cobraram mesmo um preço: passei a primeira metade doente, numa gripe louca e estranha, rendida, cansada, deitada longas horas do dia sem energia pra fazer nada além de rolar a tela do celular ou tentar dormir.
Depois teve a tristeza: tinha planejado uma viagem e um show que não aconteceram. Teve um rompimento que foi um véu levantado (eu disse que ando ignorando coisas sobre meu corpo, mas também sobre a minha vida), resolvi ou tentei resolver problemas, desisti de tudo e não fiz nada enquanto observava o mofo e a poeira se apoderando da casa que ainda chamo de minha sem querer chamar mais nada disso aqui de meu.
Finalmente, depois de muito pensar se gastava ou não comigo um dinheiro que eu mesma ganhei e com a desculpa de não passar as férias em branco, me levei pra São Paulo, como tenho me levado a vida inteira para os lugares sozinha e isso é algo que ainda preciso elaborar melhor.
O plano era ver um jogo de futebol e no dia seguinte ir a um museu que eu nunca tivesse ido antes, mas o dia do jogo foi tão intenso, andei tanto, senti tanto, gritei tanto que de novo paguei um preço. Meu corpo e minha cabeça já não são mais os mesmos e não é só a idade. Senti um cansaço tão grande que no dia seguinte voltei pra casa o mais cedo que deu, mas não encontrei um lar, só mais estresse e talvez isso seja outra coisa que preciso elaborar mais.
Por outro lado, ficar mais velha me trouxe certezas que antes não tinha e é por isso que ando fazendo muito mais o que me dá na telha. Um evento do clube que em outros tempos acharia cafona: ver a última taça conquistada pelo time em primeira mão.
Pois eu fui, vi a taça e só lá me dei conta do mico: a equipe da tv do clube filmando. Outras pequenas cafonices maravilhosas que só quem ama futebol aprecia: juntar as mãos de desconhecidos e gritar o grito de guerra do time. Ver o vestiário onde os jogadores se trocam. Pisar no gramado do estádio onde você vê pela tv o time nos momentos mais gloriosos e mais tristes. É mesmo um clichê, o olho enche de lágrimas. Você está ali, no meio do campo, vendo o ponto de vista dos jogadores. Tira mais fotos, bate pênalti numa farofada boleira promovida pelo clube no goleiro da versão adolescente do time do coração. E tudo sendo filmado. Vai sair vídeo disso? Já nem sei. Não importa mais.
Ver jogo de futebol tem pra mim essa aura de show de música com uma entrada um pouco mais barata. É essa coisa de arenizar o futebol mas não só: é a chance de ver de verdade o nome daquele bando de homem (e de mulher também pois doida o bastante pra acompanhar o time feminino) ali, na sua frente.
A segunda supresa do dia foi perceber que eu tinha escolhido o lugar mais perto do campo possível e eu tava vendo ali na minha frente aquele povo que era só imagem de tv e a sensação de GENTE ELES EXISTEM MESMO.
Ali de pertinho, o Gabriel, o Gustavo e o Weverton. Nossa, o Endrick é meio baixinho, né? Vai Marcos, caramba, toma essa bola. MEU DEUS ELES SÃO DE VERDADE. São seres humanos mesmo, eles existem, talvez só com uma conta bancária bem maior que a minha mas enfim.
E ver o gol. Os gols. Só quem viu ao vivo o seu time fazendo um gol entende o sentimento. E gritos e cantos e pulos. E tudo isso sozinha no meio de milhares e junto com esses milhares ao mesmo tempo. Nossa mas você vai num jogo sozinha? Vou.
Você anda por aí sozinha? Ando.
Vivo.
Vou. É assim ou nada.
Às vezes cansa. Mas isso é outra coisa que também preciso elaborar mais.